Por Hermes C. Fernandes

Seria lícito tomar o desfile do Carnaval como analogia de nossa caminhada cristã? Certamente, a maioria dirá que não. Afinal de contas, o Carnaval é a festa pagã por excelência, onde, além de toda promiscuidade, entidades pagãs são homenageadas.

Eu poderia gastar muitas linhas tecendo críticas justas a esta festa em que tantas famílias são desfeitas, e inúmeras vidas destruídas. Porém hoje, quero pegar a contramão.

Por que será que os cristãos sempre enfatizam os aspectos ruins de qualquer manifestação cultural?

Se vivêssemos nos tempos primitivos da igreja cristã, como reagiríamos ao fato de Paulo tomar as Olimpíadas como analogia da trajetória cristã neste mundo?

Ora, os jogos olímpicos celebravam os deuses do Olimpo. Portanto, era uma festa idólatra. Os atletas competiam nus. Sem contar as orgias que se seguiam às competições. Sinceramente, não saberia dizer qual seria pior, as Olimpíadas ou o Carnaval.

Porém Paulo soube enxergar alguma beleza por trás daquela manifestação cultural. A disposição dos atletas, além do seu preparo e empenho, foram destacados pelo apóstolo como virtudes a serem cultivadas pelos seguidores de Cristo.

E quanto ao Carnaval? Haveria nele alguma beleza, alguma virtude que pudesse ser destacada do meio de tanta licenciosidade? Acredito que sim.

Embora jamais tenha participado, talvez por ter nascido em berço evangélico tradicional, posso enxergar alguma ordem no meio do caos carnavalesco.

Destaco a criatividade dos foliões, principalmente dos carnavalescos na composição das fantasias, dos carros alegóricos, do samba-enredo. Eles buscam a perfeição. Diz-se que o desfile do ano seguinte começa a ser preparado quando termina o Carnaval. É, de fato, um trabalho árduo que demanda muito empenho.

Se houvesse por parte de muitos cristãos uma parcela da dedicação encontrada nos barracões de Escolas de Samba, faríamos um trabalho muito mais elaborado para Deus. Buscaríamos a excelência, em vez de nos contentar com tanta mediocridade.

O desfile começa com a concentração. É ali que é dado o grito de guerra da Escola, seguido pelo aquecimento dos tamborins.

A concentração equivale à congregação. Nosso lugar de culto (comumente chamado de “templo” ou “igreja”) é onde nos concentramos e aquecemos nosso espírito. Porém, a obra acontece lá fora, “na avenida” do mundo.

Gosto quando Paulo fala que somos conduzidos por Cristo em Seu desfile triunfal. O apóstolo compara a marcha cristã pelo mundo às paradas triunfais promovidas pelo império romano. Era um espetáculo cruento, no qual os presos eram expostos publicamente, acorrentados arrastados pelas ruas da cidade. Era assim que Roma exibia sua supremacia, e impunha seu poder. Paulo toma emprestada a figura deste majestoso e horroroso evento para afirmar que Cristo está nos exibindo ao Mundo como aqueles que foram conquistados por Seu amor.

Muitos cristãos acreditam ingenuamente que a guerra se dá na concentração. Por isso, a igreja atual é tão em-si-mesmada, isto é, voltada para dentro de si. Ela passou a ser um fim em si mesmo.

A avenida nos espera!

À frente vai a comissão de frente, seguida pelo carro alegórico abre-alas. Compete aos componentes dessa comissão a primeira impressão.

A comissão de frente da igreja de Cristo é formada pelos que nos precederam, que abriram caminho para as novas gerações. Não podemos permitir que caiam no esquecimento. Também são os missionários, que deixam sua pátria para abrir caminho em outros rincões. Grande é sua responsabilidade, e alto é o preço que se dispõem a pagar para que o Evangelho de Cristo chegue à populações ainda não alcançadas. Paulo fazia parte da comissão de frente da igreja primitiva. Chegamos a esta conclusão quando lemos o que escreveu aos coríntios: “Para anunciar o evangelho nos lugares que estão além de vós, e não em campo de outrem” (2 Co.10:16). Ele preferia pescar em alto mar, e não aquário dos outros.

A Escola de Samba é dividida em alas, cada uma com fantasias e carro alegórico próprios. Porém, o samba-enredo é o mesmo. O que é cantado lá na frente, é sincronicamente cantado na última ala da Escola. A voz do puxador do samba, bem como a batida harmoniosa da bateria, ecoando por toda a avenida, garantem esta sincronia. Não pode haver espaços vazios entre as alas. Há harmonia até nas cores das fantasias. Ninguém entra na avenida vestido como quiser. Imagine se as variadas denominações que compõem o Corpo Místico de Cristo se relacionassem da mesma maneira, respeitando cada uma o espaço da outra, porém dentro de uma evolução harmoniosa. No meio do desfile encontramos o casal de porta-bandeira. Eles exibem orgulhosamente o pavilhão da Escola. Seus gestos e passos são cuidadosamente combinados, para que a bandeira receba as honras devidas.

É triste verificar o quanto a bandeira do Evangelho tem sido chacoalhada, pois os que a deveriam ostentar, são os primeiros a desonrá-la com seu mal testemunho.

Os cristãos primitivos se dispunham a pagar com a própria vida para que seu testemunho de fé fosse validado e o nome de Cristo fosse honrado.

Ao término do desfile chega o momento da dispersão. É hora de partir, levando a certeza de que todos deram o melhor de si. Alguns saem machucados, com os pés sangrando, com as forças exauridas. Mas todos saem alegres, esperançosos de que sua escola seja a campeã. Aprenderam a sublimar a dor enquanto desfilam. Ignoram o cansaço. Vencem os limites do seu corpo. Tudo pela alegria de ver sua escola se sagrando campeã. Mas no fim, chega a hora de tirar a fantasia, descer dos carros alegóricos, cuidar das feridas nos pés. Mesmo assim, ninguém reclama.

Todos estamos a caminho do fim do desfile. O momento da dispersão está chegando, quando deixaremos este corpo, nossa fantasia, e seremos saudados pela Eternidade. Que diremos nesta hora? Não haverá novos desfiles. Terá chegado o fim de nossa trajetória? Não! Será apenas o começo de uma nova fase existencial. Deixaremos nossas fantasias, para nos revestirmos de novas vestes celestiais. Falaremos como Paulo em sua carta de despedida a Timóteo:

“...o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda” (2 Tm.4:6b-8).

Aproveitemos os instantes em que estamos na avenida desta vida, celebremos a verdadeira alegria, infelizmente ainda desconhecida por muitos foliões, e que não terminará em cinzas.

* Postado originalmente em 13 de Fevereiro de 2010.