Explode o debate sobre o uso do véu islâmico nas escolas espanholas
I. Cembrero e P. Álvarez
Em Madri

"Ó profeta, dize a tuas esposas, a tuas filhas e às mulheres dos crentes que (quando saírem) se cubram com as "jalabibi", ..." (Alcorão surata 33:59)

Os dirigentes políticos ficam incomodados com o dilema de regular o "hijab". A família de Najwa irá à justiça e coletivos islâmicos sairão à rua.
 
Najwa Malha não foi ao colégio na quarta-feira. Pelo terceiro dia consecutivo não apareceu com seu "hijab" (lenço de cabeça islâmico) no colégio Camilo José Cela de Pozuelo de Alarcón (Madri), onde suas amigas voltaram a protestar cobrindo suas cabeças em alguns momentos.
 
Mas a polêmica gerada porque sua escola não lhe permite ir às aulas com véu cresceu muito além dos muros da instituição, que amanheceram cobertos de pichações xenófobas.
 
Associações e coletivos muçulmanos planejam levar o caso aos tribunais e mobilizar-se por todo o país, com protestos como uma caravana de mulheres.
 
No dia em que na França se anunciou a apresentação de um projeto de lei para a legislação sobre a burca, na Espanha se abriu timidamente o debate sobre a possibilidade de legislar sobre o lenço de cabeça.
 
Com exceção de alguma vereadora muçulmana do PP, como Fátima Kaddur, de Ginés (Sevilha), para o principal partido de oposição está claro o que se deve fazer. É preciso "respeitar e apoiar" a liberdade dos centros educacionais para regulamentar suas normas de convivência, reiterou na quarta-feira a presidente da Comunidade de Madri, Esperanza Aguirre, e todos a apoiaram.
 
O presidente da França, Nicolás Sarkozy, defende ações contra o véu em território francês


Se o Conselho Escolar do instituto de Pozuelo concordou na terça-feira não mudar seu regulamento interno e manter a proibição de acesso às aulas de Najwa Malha, porque utiliza o hijab, sua decisão deve ser acatada pelas autoridades educacionais.
 
Diante dessa determinação, o governo e o PSOE vacilam. De todos os socialistas que intervieram no debate, a mais ambígua foi provavelmente a ministra da Igualdade, Bibiana Aído. Ela salientou que não gosta de "nenhum véu", mas defendeu a "tolerância".
 
Talvez o mais contundente nas fileiras do PSOE foi outro andaluz, o terceiro vice-presidente do governo, Manuel Chaves. Ele se pronunciou a favor de que "os governos estabeleçam normas claras", isto é, que legislem sobre esse controvertido tema.
 

Entre Aído e Chaves ficaram outros membros do Executivo, como, por exemplo, o titular da Justiça, Francisco Caamaño. Nos corredores do Congresso ele vaticinou que "no momento certo serão postos os mecanismos adequados" para resolver assuntos como o de Najwa. Será "através da unificação que se produz nos tribunais ou através de outros expedientes normativos possíveis". O primeiro levaria anos, o segundo poderia ser mais rápido.
 
O PSOE também tem seus dissidentes como o PP com a vereadora Kaddur. O prefeito socialista de Villalba, José Pablo González, manifestou, por exemplo, seu apoio ao veto ao véu islâmico decidido pelo colégio de Pozuelo e à transferência da menor para outra instituição de sua cidade onde poderá usar o hijab.
 
O porta-voz socialista da prefeitura de Madri, David Lucas, argumentou inclusive que não se deve permitir nenhum símbolo religioso, "para poder continuar garantindo a não confessionalidade do Estado espanhol e a convivência dentro dos colégios".
 
Na Esquerda Unida, por sua vez, não há opiniões discrepantes. Sua porta-voz da Educação na Assembleia de Madri, Eulalia Vaquero, exigiu que se paralise a transferência da aluna muçulmana de uma escola para outra. Estão "sendo prejudicados os direitos fundamentais de Najwa", salientou.
 
Fora do âmbito político, pelo menos uma voz se elevou para também pedir uma lei de caráter estatal que regule o uso do lenço. Foi a de Francisco López Ruipérez, presidente do Conselho Escolar da Comunidade de Madri, que opinou, no entanto, que o colégio de Pozuelo havia administrado "razoavelmente bem" o caso Najwa.
 
Três amigas de Najwa chegaram à classe mais uma vez com o lenço na cabeça em sinal de apoio à companheira. "Ela continuará lutando, não vai tirar o véu", declararam na porta.
 
Atrás delas, coladas à cerca, foram colocadas durante a noite dezenas de adesivos do partido de extrema direita Democracia Nacional, com o lema "Stop a islamização. Mesquitas não". Duraram poucos minutos. Foram retirados por três alunos e um funcionário.
 
As amigas afirmaram que Najwa se sente mal, "muito nervosa". A escola comunicou oficialmente na quarta-feira à família que ela não poderá ir para a instituição com um véu, segundo um porta-voz do Conselho de Educação. Este explicou que o pai da aluna, Mohamed Malha, ainda não esclareceu se quer ou não a mudança para outra instituição em Pozuelo, a San Juan de la Cruz, na qual Najwa poderia cobrir a cabeça.
 
"O pai de Najwa não aceitará a decisão da escola", explicou Said Bourhim, amigo da família, que substituiu como porta-voz o pai dedicado a cuidar de sua filha. A jovem está de licença médica por ansiedade, acrescenta.
 
"Mohamed teria gostado que a situação não chegasse a esse limite", disse Bourhim. A família procura um advogado para levar o assunto aos tribunais e espera também o apoio e a atuação da comunidade islâmica na Espanha, que na quarta-feira começou a se mobilizar contra a decisão do Conselho Escolar do instituto.
 
Ainda não fecharam datas nem mobilizações concretas, mas todos os representantes muçulmanos consultados repetem a mesma ideia: o regulamento de uma escola não pode estar acima da Constituição.
 
Eles citam principalmente um relatório da Direção de Assuntos Religiosos do Ministério da Justiça que indica que "o direito a professar uma crença inclui o direito de expressar, exteriorizar ou vestir-se de acordo com a mesma". Também anunciam medidas legais.
 
A Federação Espanhola de Entidades Religiosas Islâmicas (FEERI) prepara uma denúncia. "Estamos estudando a melhor via, mas estamos dispostos a ir até o Tribunal Constitucional, porque com Najwa infringiram a Carta Magna, sua liberdade religiosa e seu direito à educação", explica Mohamed Ali, presidente da organização.
 
Concordarão com o pai de Najwa se se apresentar como acusação particular ou vão de mãos dadas com a família. "Não queremos que a decisão desse colégio crie um precedente", afirma Ali.
 
As primeiras demonstrações de apoio vêm pela Internet. Najwa Malha tem um fórum próprio na rede social Facebook e de um blog se anima a enviar cartas de protesto para a página oficial da Comunidade de Madri contra a decisão do colégio de Pozuelo.




"Que mal pode fazer que uma garota tenha a cabeça coberta? O problema das mulheres muçulmanas não é o hijab, isso é só um sinal de identidade", afirma Yonaida Selam, membro da Associação Intercultural de Melilla, promotora do fórum do Facebook.

Outra mulher, Amparo Sánchez Rosell, começou a criar no Centro Cultural Islâmico de Valência uma caravana de mulheres muçulmanas de diversos pontos da Espanha. Ainda não tem data, mas sim um destino: Pozuelo, "onde aconteceu esta injustiça", diz uma mensagem em um fórum.

O imame Lahcem Sau, presidente do Conselho Islâmico da Catalunha, une-se ao grupo de apoio. "Tenho quatro filhas já maiores, todas estudaram com véu em Barcelona e nunca houve qualquer problema." Munir Benjelum, vice-presidente da Federação Islâmica de Murcia, ligada ao grande movimento islâmico marroquino Justiça e Caridade, proibido e às vezes tolerado, ofereceu à família "apoio econômico e psicológico" e pede aos partidos políticos "que não tirem proveito desse assunto, como ocorreu em outros países europeus".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

NOTA do Sambora:

''''Dizei às fiéis, que recatem os seus olhares, conservem os seus pudores, e não mostrem os seus atrativos, além dos que normalmente aparecem; que cubram o colo com os seus véus e não mostrem os seus atrativos, a não ser aos seus esposos....que não agitem os seus pés, para que não chamem à atenção sobre seus atrativos ocultos. Ó fiéis, voltai-vos todos, arrependidos, a Deus, afim de que vos salveis.'''' (24ª Surata, An Nur, versículo 31).