Ninguém tira da minha cabeça que em pouco tempo o Poder Judiciário criará uma nova espécie de Juizado Especial: Juizado Especial do Consumidor Religioso. Digo isso porque a proliferação do evangelho pragmático e a transformação do evangelho em produto atribuiu à fé religiosa características de verdadeira relação de consumo, onde as igrejas oferecem benesses em troca da contribuição do crente. Quanto mais você contribue, mais você ganha. Quanto mais você paga, mais você recebe.

Consumidor, segundo o CDC – C’ódigo de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2°.).

Fornecedor, diz o art. 3°, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. ( § 1°)

Pelas definições do CDC, o evangelho pragmático (repito: aquele que transformou as boas novas em produto) possui indubitávelmente todos os elementos de uma relação de consumo: consumidor (religioso), fornecedor (instituições religosas representadas por seus ungidos), produto (bênção material prometida).

Creio que essa compartimentação jurídica tornar-se-á realidade a fim de se coibir a propaganda espiritual tão em voga no tempo presente, cujas igrejas estão a apregoar o relaciomento entre Deus e o homem com contornos de negociata comercial, onde cada uma das partes possui seus deveres e obrigações. O cristão entra com a contribuição, e os apóstolos, pastores, bispos etc, responsabilizam-se pelo cumprimento das promessas propaladas (carros, casas, dinheiros etc).

Acredito, infelizmente, que atualmente já seria possível a utilização do Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo que envolvem a religião, levando-se em consideração que muitos dos fiéis encontram-se em verdadeira posição de vulnerabilidade perante as instituições religiosas. A vulnerabilidade, aliás, é a ratio (razão) da existência do CDC, com vistas a tutelar a parte mais fraca da relação negocial. Como bem anota Leonardo de Medeiros Garcia, “a vulnerabilidade seria o marco central para que se aplicassem as regras especiais do CDC, que visaria, principalmente, fortalecer a parte que se encontra em inferioridade, restabelecendo o equilibrio contratual“. (Direito do Consumidor, p. 20/21).

Nesse sentido, portanto, vejamos, por exemplo, o que estabelece o art. 37 do CDC, acerca da propaganda enganosa ou abusiva:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A publicidade enganosa é aquela capaz de induzir o consumidor a erro; e a abusiva, por sua vez, é aquela que fere a vulnerabilidade do consumidor, podendo ser até mesmo verdadeira, mas que, pelos seus elementos, como anota Medeiros Garcia, ofendem valores básicos de toda a sociedade.

No caso da propaganda abusiva, como visto, temos a situação em que o fornecedor explora o medo ou a superstição do consumidor. Daí pergunto: Será que isso existe no meio religioso? Pessoas que exploram o medo, a boa-fé e a superstição (em sentido genérico) dos fiéis? Tenho certeza que sim.

Perceba, o leitor, que não estou advogando aqui a aplicação do CDC a toda e qualquer relação entre fiél e instituição religiosa. Mas, sim, naqueles casos em que líderes inescrupulosos, que não tem nenhum temor a Deus, querem lucrar muito dinheiro à custas de pessoas simples e inocentes que agem baseados na pressão e nas falsas promessas.

Casos de crentes ingressando com ações judiciais contra igrejas para reaverem “seus investimentos” já são comum no Brasil. Em Minas Gerais a Justiça condenou a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) a devolver a um fiel todos os dízimos e ofertas doados por ele à denominação desde 1996. A sentença, da 13ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça, condenou a igreja porque o ex-fiel religioso é portador de deficiência mental, conforme comprovado por perícia médica. O valor total corrigido ainda não foi estipulado pela Justiça, mas inclui uma indenização por danos morais de cinco mil reais.

Segundo o processo, em que o rapaz é representado por sua mãe, ele passou a freqüentar a Universal e, desde então, participa assiduamente dos cultos da Iurd, onde os pedidos de dinheiro, acompanhados de promessas de bênçãos, são comuns. Apesar do salário modesto que recebia como zelador, o fiel ignorava os apelos da mãe para que não desse praticamente todo seu dinheiro à igreja.

Esse é somente um dos grandes perigos em fundamentar a devoção à Deus em uma espécie de negócio, de forma que o cristão estabeleça-se como consumidor, e a igreja como fornecedora de “bens e produtos” espirituais.

Não se concebe que as igrejas exijam contribuições dos fiéis baseado em pressões psicológicas ou então tendo como pressuposto a retribuição – com juros – do dinheiro investido. Por isso, a necessidade do ensino sobre o assunto, com fundamentação bíblica.

Nossa comunhão com Deus não pode e não deve ser sustentada tendo como base aquilo que Ele pode nos conceder como benesses, pois a Bíblia afirma que se esperarmos em Cristo somente nessa vida, somos os mais miseráveis de todos os homens (1 Co. 15.19). Nossa comunhão com Ele deve ser estabelecida por aquilo que Ele é, o Deus Supremo, e por aquilo que ele já fez, entregando seu único Filho pela nossa Salvação.

Fonte: Genizah