ATUAIS FORMAS DE RACISMO NA IGREJA EVANGÉLICA BRASILEIRA


RESUMO: O presente artigo abordará a questão das atuais formas de racismo velado na igreja evangélica brasileira e suas heranças históricas, sendo elas uma clara contradição com a revelação em Cristo da Graça e Salvação universal para todos os povos.

Palavras-chave: racismo, igreja evangélica brasileira, graça, salvação universal, reflexão.

1- INTRODUÇÃO

Se hoje abordarmos algumas pessoas nas igrejas evangélicas do Brasil perguntando: - Você se considera racista?

Dificilmente encontraremos alguém admitindo seu preconceito racial, pois acima de tudo, acredita-se que Deus é amor e que não faz acepção de pessoas. E isto de fato em princípio está correto, mas será que este pensamento acompanha uma prática?

2- HISTÓRIA DA IGREJA NO BRASIL E SUA HERANÇA RACISTA




2.1 - Históricos

O protestantismo histórico no Brasil é composto pelas primeiras igrejas (denominações) que chegaram no Brasil através dos missionários estrangeiros: Congregacionais, Batistas, Presbiterianos, Metodistas, Luteranas, Anglicanas.

Essas igrejas chegaram no Brasil no período da escravidão e tiveram entre seus lideres: defensores da escravidão, omissos, e abolicionistas.

Os defensores da escravidão em sua maioria eram os missionários que vieram do sul dos Estados Unidos, ainda com ressentimentos da derrota da guerra da Secessão contra o Norte dos Estados Unidos pela libertação dos escravos, esses missionários sulistas tinham a escravidão como instituída por Deus, baseado em fatos teológicos que o povo negro eram da descendência de Cam filho de Noé, amaldiçoado para ser escravos dos escravos.

Os protestantes omissos defendiam a posição da grande maioria dos históricos a respeito da escravidão negra, também defendia a sua posição teologicamente, afirmando que a Igreja não devia interferir no Estado, ou seja na política.

Defendiam que seu compromisso era com o "espiritual", que deveriam tão somente se preocupar com a pregação do evangelho, e que a Igreja deve se sujeitar a toda autoridade constituída, baseado na carta de Paulo aos Romanos capitulo 13.

Já os abolicionistas estiveram presentes em quase todas as denominações históricas, e eram em sua maioria missionários do norte dos Estados Unidos, europeus, e alguns convertidos brasileiros; Mas infelizmente eram em número muito menor do que os citados acima.

2.2 - Pentecostais
As igrejas Pentecostais são as denominações que chegaram no Brasil com o movimento missionário Norte Americano da rua Azusa, após as igrejas históricas, e foram também trazidas por missionários estrangeiros no início do séc XX.

Possuem como característica o batismo com o Espírito Santo, a cura de enfermidades no nome de Jesus, expulsão de demônios, e os milagres. Os cultos são animados com muitos cânticos e são festivos.

As principais igrejas Pentecostais são: Assembléia de Deus, o Brasil Para Cristo, Congregação Cristã do Brasil, Evangelho Quadrangular, Igreja Unida.

Atualmente são nas igrejas Pentecostais, onde está grande parte dos negros evangélicos. Com a chegada de tais denominações importadas, os negros Pentecostais encontraram nelas, tudo aquilo que eles precisavam para vencer do preconceito racial e melhorar sua auto-estima.

Pois estes negros pentecostais agora eram considerados crentes, não praticavam mais as religiões-afro e por isso eram aceitos pelos brancos como irmãos, os quais diziam que eles eram negros diferentes dos outros. E diziam ainda que eram negros de alma branca.

Quando o movimento Pentecostal chegou no Brasil (assim como os evangélicos Históricos) juntamente com o Evangelho, os missionários trouxeram também a cultura ocidental euro-norte-americana, com seus valores e costumes, fazendo com que estes valores culturais fossem vistos e aceitos no Brasil como divinos modelos para todos os povos e as outras culturas locais não eram consideradas de Deus, sendo atribuídas ao diabo, tal como se observa hoje a respeito da cultura afro-indígena no Brasil.

É isto uma violência cultural em nome do "evangelho", tão grande quanto a que fizeram os padres católicos e jesuítas, quando também chegaram em terras brasileiras.

2.3 – Renovados
Outros movimentos também aconteceram com a chegada do Pentecostalismo no Brasil, pois alguns membros e pastores de denominações históricas começaram a receber o batismo com o Espírito Santo e crer na cura de enfermidades no nome de Jesus, expulsão de demônios, e nos milagres tal como era pregado pelos pentecostais.

Isso deu origem a chamada Renovação Carismática (1966), que foi um dos movimentos que mais provocou divisões entre as denominações evangélicas brasileiras, e as igrejas históricas que passaram por este movimento de renovação, vieram a ser identificadas como igrejas Renovadas.

Estas são igrejas que procuram manter a ortodoxia com as mesmas bases doutrinárias das igrejas históricas (mesmo as racistas), contudo com a doutrina pentecostal agregada.

2.4 - Neopentecostais
As igrejas Neopentecostais sugiram no Brasil a partir dos anos 70 e suas principais denominações são: Igreja Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra e uma grande quantidade de outras denominações e pequenas comunidades. O que diferencia os Neopentecostais dos Pentecostais, Históricos e Renovados, além da data do seu surgimento, são alguns aspectos teológicos e doutrinários, que essas igrejas trouxeram para o cenário evangélico brasileiro, como: tolerância quanto aos usos e costumes, introdução da dança nos cultos, diversidade de ritmos nas músicas e ênfase na prosperidade como sinal da benção divina.

Contudo algumas características mais marcantes nessas igrejas são as doutrinas importadas tais como: A teologia da prosperidade, A Batalha Espiritual e a crença em maldições hereditárias.

Assim como também trouxeram outras experiências espirituais tais como: Dente de Ouro, Cair Pelo Poder do Espírito e receber unção de animais (benção de Toronto). E como existe uma forte ligação dos Neopentecostais com os Pentecostais, Históricos e Renovados, observa-se que essas doutrinas já são comuns em muitas delas também.

3- ATUAIS FORMAS DE RACISMO NA IGREJA EVANGÉLICA BRASILEIRA

Porém o que é mais alarmante em tudo que foi dito acima, e que precisa ser nosso objeto de nossa reflexão, é a demonização sistemática de tudo aquilo que não é da cultura ocidental euro-norte-americana.

Sem perceberem, os grupos evangélicos citados acima, estão trazendo velhos conceitos racistas, grandemente enraizados na cultura do sul dos Estados Unidos, que no passado usavam a Bíblia para justificar a escravidão, e a inferioridade do povo negro.

Atualmente este racismo sutilmente se manifesta através da crença em maldições hereditárias e da batalha espiritual e novamente essa velha tendência chega em nossas igrejas.

3.1- Maldição hereditária

Na crença em maldições hereditárias a cultura africana é considerada maldita, e para que este crente que tem ligações com ela, se veja livre de suas maldições dos antepassados (apenas crer em Jesus não é suficiente), é necessário que ele ainda faça renúncias verbais e unções com óleo sagrado pelo corpo, para se desvincular de todo
envolvimento (direto ou indireto) com a cultura negra que é neste contexto considerada demoníaca; E qualquer relação futura que ele venha ter com esta cultura, isso poderá ainda trazer de volta as maldições, para isso é aconselhável que este novo crente, se afaste totalmente da cultura demoníaca (cultura negra), para enfim adotar como padrão os valores euro-norte-americano de ser-evangélico, como se estes valores culturais fossem de alguma forma mais puros, santos e superiores.

3.2- Batalha Espiritual

Na Batalha Espiritual o caso parece ser mais sério ainda para o negro, pois se olharmos cuidadosamente nos livros que tratam do assunto (principalmente dos E.U.A traduzido para o português. Ver o livro de ficção: Este Mundo Tenebroso, de Frank E. Peretti – Editora Vida) veremos que os exércitos de Deus são todos brancos e loiros e o exército do diabo são todos pretos e negros.

Os demônios expulsos em sessões de libertação destas igrejas, em grande parte são identificados como sendo do panteão das religiões afro, denotando assim uma implacável demonização desta cultura por parte dos crentes, que por herança histórica, passaram a ver todas as culturas que não são euro-norte-americana, como sendo obra do demônio.

Também os anjos, quando vistos em ditas experiências espirituais destes crentes brasileiros, estes seres espirituais são sempre brancos, loiros e de olhos azuis (padrão euro-norte-americano), e quando estas visões raramente fogem do comum, nota-se que o anjo avistado é ruivo.

E isso pode ser observado também nos livros de batalha espiritual do escritor Daniel Mastral, onde supostamente foi visto um anjo ruivo, o qual é apresentado como o mentor de Daniel Mastral[1] (ex-satanista), conforme o próprio autor narra ao longo de sua história. Observa-se também, que durante esta narrativa, este anjo ruivo é identificado por Neuza Itioka[2] (Grace), como sendo o próprio Arcanjo Miguel (o príncipe dos exércitos celestes).

Não é objetivo deste artigo, acusar de fraude ou racismo os autores evangélicos citados, contudo questiona-se até que ponto estas experiências espirituais são de fato verdadeiras. Por que anjos brancos são bons e anjos negros são identificados como demônios entre os crentes? Será que estas experiências não são projeções de
consciências obliteradas e acostumadas com o padrão euro-norte-americano, o qual nos foi imposto historicamente?

Contudo o fato é que estes são conteúdos muito sérios, e que vão penetrando no inconsciente das pessoas, influenciando comportamentos racistas velados, e também trazendo conseqüências sérias para a saúde da Igreja Evangélica Brasileira.

4- CONCLUSÃO

Sabe-se que Deus é Universal, assim com a Sua Graça e Salvação, a qual não pertence a nenhuma etnia exclusiva, portanto Ele nunca foi exclusividade de Israel, assim como não é europeu, norte americano, negro, latino, asiático etc..

Deus não tem propósito em assumir uma preferência étnica ao se revelar aos homens, logo não faz sentido que Seus anjos se manifestem assumindo traços de determinadas etnias (loiro, ruivo etc..).

A igreja evangélica brasileira, semelhantemente a igreja de Laodicéia (Ap. 3:14), pensa que está rica, mas não sabe que é uma desgraçada, pobre, cega e nua. Embora pense que está caminhando bem e prosperando em seus caminhos, não sabe que é miseravelmente racista e que está reproduzindo um pensamento retrógrado racista, sendo também incapaz de ver a enorme contradição entre o que confessa e o que pratica.

Tais práticas racistas veladas precisam ser combatidas abertamente pelos crentes no Senhor, pois tais estruturas de pensamentos, os quais colocam veladamente o branco como algo bom e superior e o negro como algo mal e inferior, isto é demasiadamente repugnante e jamais deve ser aceito por um homem ou mulher de bem nesta nação.

É muito triste observar que determinados folclores como o alemão com suas músicas e ritmos, são aceitos sem nenhuma resistência nestas igrejas do Brasil; Ao passo que o folclore da cultura afro e suas músicas e ritmos são estes demonizados, e tudo atribuído às obras do diabo.

Porque aceitamos um folclore e rejeitamos outro? A resposta é que isto é o puro racismo velado quanto à cultura negra, excluindo tudo que não é da cultura euro-norte-americana.

Sendo lamentável observar, que ainda ensinam as crianças evangélicas, que o preto significa pecado, e que o branco significa santidade.

Pare e pense: Quem foi que instituiu estes símbolos desta forma?

Será que nós brasileiros, cuja maioria é afro-descendentes, podemos concordar com esta forma de pensamento que influencia comportamentos racistas?

Precisa-se mudar urgentemente estes paradigmas, assumindo uma nova identidade evangélica brasileira, dando um novo significado aos seus símbolos.

Pois até quando a igreja brasileira será esta cópia mal feita da igreja evangélica euro-norte-americana?

Neste presente artigo tomou-se como base a cultura negra para tecer esta reflexão, mas sabe-se também que esta atual forma de pensamento racista euro-norte-americana, que lamentavelmente está presente no Brasil, exclui também a cultura dos indígenas, latinos, povos do oriente médio e asiáticos.

Portanto é muito sério este racismo velado que acontece sutilmente na cristandade do séc. XXI, pois a prática da igreja deve acompanhar sua confissão de fé, a qual deve pensar duas vezes nos impactos locais, antes de importar novas práticas cristãs.

Seu irmão em cristo
Mariel Marra




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